Do portal da Abrasco com informações do Brasil 247
Será entregue nesta segunda-feira, 5 de agosto, ao presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Zasso Pigatto, em Brasília, o manifesto “SUS, Saúde e Democracia: desafios para o Brasil” subscrito por seis ex-Ministros da Saúde: Humberto Costa, José Saraiva Felipe, José Gomes Temporão, José Agenor Alvarez da Silva, Alexandre Padilha e Arthur Chioro. A entrega será realizada no Museu da República às 17 horas no Ato em Defesa do SUS promovido durante a realização da 16ª Conferência Nacional de Saúde.
Veja a íntegra do manifesto:
SUS, SAÚDE E DEMOCRACIA: DESAFIOS PARA O BRASIL
Brasília 5 de agosto de 2019
Ano da 16ª Conferência Nacional de Saúde
O campo da pesquisa e da inovação se fortaleceu, assim como a implantação de uma política industrial voltada para a produção nacional de tecnologias estratégicas para o país, a política de fortalecimento do Complexo Produtivo da Saúde, mediante parcerias entre laboratórios públicos e empresas privadas.
Todo esse processo permitiu que o país construísse uma ampla rede de atenção à saúde que hoje atende às necessidades da maior parte da população brasileira, com importante impacto no aumento da expectativa e na melhoria das condições de vida e na redução de iniquidades e desigualdades.
A magnitude e a relevância dessas realizações sem dúvida teriam sido mais expressivas, de maior alcance e de resultados mais profundos, não fossem os impasses estruturais, que impuseram ao longo dessa trajetória, fortes limites organizacionais e financeiros que impediram a plena realização de seus fundamentos.
Isso se expressa com clareza quando se analisa a estrutura do financiamento da saúde. Investimos cerca de 9% do PIB em saúde, mas desse valor apenas 46% corresponde ao gasto público, ou seja, a maior parte das despesas em saúde onera o orçamento das famílias e empresas. Nenhum sistema universal tem investimentos públicos tão baixos como o nosso, e quando se acresce a isso uma renúncia fiscal e tributária expressiva a cada ano, o quadro de subfinanciamento se agrava.
É nesse contexto que incide a EC 95 que, ao colocar a austeridade como princípio constitucional, congela os gastos por 20 anos e subjuga as necessidades de saúde da população às metas fiscais, impondo ao SUS o status de sistema desfinanciado, colocando em risco até a sua sobrevivência.
Essa política de aprofundamento de cortes dos gastos sociais, em um contexto de negação de direitos e de desvalorização das políticas universais, intensifica retrocessos e ameaça descaracterizar o SUS. A fragilização do SUS se soma ao ataque a várias políticas públicas fundamentais no processo saúde-doença e no conceito ampliado de saúde que envolve a natureza simultaneamente biológica, subjetiva e social dos problemas de saúde.
Essa base constitutiva das políticas de saúde está sendo desconstruída por mudanças em políticas de grande impacto na saúde, sem que o Ministério da Saúde e o parlamento sejam ouvidos, entre as quais podem ser destacadas:
- os retrocessos nas normas de segurança nos ambientes de trabalho e legislação referente a acidentes de trabalho e doenças profissionais;
- propostasreferentes à legislação do trânsito que impactam na morbimortalidade por acidentes envolvendo veículos automotores (velocidade nas estradas, normas e regras para condução, “cadeirinha das crianças”, número de pontos para ter a carteira cassada);
- os ataques ao Estatuto da Criança e do Adolescente;
- as restrições ao amplo acesso à educação e informação e a fragilização das políticas voltadas aos direitos sexuais e reprodutivos;
- as reiteradas ameaças ao estatuto do desarmamento;
- o aumento dos benefícios fiscais para a indústria de refrigerantes, indo na contramão do que se faz em todo o mundo;
- o ataque à educação pública e a ameaça à ciência nacional com o drástico contingenciamento do orçamento setorial;
- a liberação sem critério de agrotóxicos e pesticidas e as ameaças à saúde, ao meio ambiente e à sustentabilidade;
- a nova política de drogas, que possibilita a internação involuntária de usuários, prioriza as comunidades terapêuticas e a abstinência como objetivo do tratamento da dependência, ao invés das políticas voltadas ao tratamento de saúde de usuários, focadas na redução de danos;
- a proposta do MInistério da Justiça para redução do preço do cigarro que fragilizará a exitosa política de prevenção e controle do tabaco.
Da mesma forma é preciso atenção redobrada para os riscos da fragilização da regulação do setor privado na saúde. As constantes iniciativas do mercado com a intenção de flexibilização de regras de cobertura, da introdução de planos populares e de reajustes dos planos de saúde, devem ser combatidas.
A visão hegemônica no governo e no parlamento, assentada sobre uma falácia, é a de que a saúde, ao invés de investimento, é gasto e que a gestão em moldes empresariais, mesmo em um contexto de redução dos gastos, permitirá fazer mais com menos, ainda que isso comprometa a qualidade de vida e ameace a segurança dos cidadãos e famílias.
Daí também decorre a visão largamente disseminada – e da qual divergimos frontalmente – de que o SUS não pode ser universal, pois “não cabe no orçamento” e deve se destinar apenas a prover cuidados mais simples aos mais pobres. Essa visão equivocada desconhece, para além dos benefícios diretos do SUS sobre a saúde da população, que as atividades relacionadas ao setor saúde – serviços, medicamentos, vacinas e equipamentos -, respondem por cerca de 8,5% do PIB e incorporam setores estratégicos de inovação – tecnologia de informação, biotecnologia, microeletrônica, química fina, nanotecnologia, entre outros – com ampla repercussão em todos os setores da economia, e responderam por 10% dos postos formais de trabalho qualificado, empregando em torno de 9,5 milhões de brasileiros em 2015.
A disseminação da imagem de um SUS precário, refém de trocas político-partidárias, atendendo a interesses privados e insustentável com recursos públicos, apaga da percepção pública os importantes avanços obtidos e fragiliza sua sustentação social.
O SUS precisa e pode ser aperfeiçoado, pois é um patrimônio da nação brasileira e uma política social a ser preservada e valorizada como bem comum de valor inestimável, como ocorre em outros países com sistemas universais de saúde, a exemplo do Inglaterra, Canadá e Portugal entre outros.
Assim, a reafirmação de um sistema público e universal no campo da saúde fundamenta-se, em primeiro lugar, em princípios civilizatórios e de justiça, mas também em evidências sobre as vantagens dos sistemas públicos universais em termos de custo-efetividade nas comparações com outros modelos, baseados no setor privado, planos e seguros de saúde.
É preciso, mais do que nunca, fortalecer e ampliar a participação social na formulação, acompanhamento e fiscalização das políticas de saúde em todas as esferas de governo. Respeitar e implementar as decisões das conferências e dos conselhos de saúde, aprimorando e garantindo a democratização do Estado e a participação cidadã é fundamental para os destinos do SUS e do país.
O SUS é uma conquista do povo brasileiro. Sua consolidação e aperfeiçoamento são eixos fundamentais para a sobrevivência do Estado de Direito Democrático e na afirmação de políticas públicas de inclusão social.
Por ser a expressão real desses valores, a defesa de uma saúde pública moderna, de qualidade e respeitada pela sociedade deve ser baseada em uma ética do cuidado e na sustentabilidade política, econômica e tecnológica do SUS, o que exige a reafirmação do SUS – universal, equânime, integral e gratuito – como o sistema de saúde para todos os brasileiros e brasileiras.
Brasília, 5 de agosto de 2019.
Humberto Costa
José Saraiva Felipe
Jose Agenor Alvarez da Silva
José Gomes Temporão
Alexandre Padilha
Arthur Chioro